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Traduzido por: Livro Editado em Português do Brasil
Páginas: 405
Ano de edição: 2014
Peso: 505 g
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A história do detetive e tradutor Adam Blake, um escocês a serviço da empresa britânica Paraná Plantations Limited (que existia de verdade e se chamava Companhia de Terras Norte do Paraná). Ele tenta desvendar o mistério da morte que envolve figuras históricas e se desdobra em uma sequência de crimes aparentemente sem solução.
LUTO EM LONDRINA
Blake olhou-se no espelho que havia no lado de dentro do armário. Aproximou-se do reflexo e examinou seu rosto. Estava vermelho de sol, um pouco mais magro. Tinha um aspecto saudável, embora as têmporas parecessem mais grisalhas. Sorriu para si mesmo, para conferir os dentes recém-escovados. Com os olhos ainda enevoados de sono, foi até o peitoril da janela pegar o paletó sobre a cadeira. No fundo do céu, nimbos cor de ardósia pareciam se erguer como as torres gigantescas de um castelo. Do outro lado da rua, um caminhão-pipa regava a poeira vermelha da avenida Paraná, exalando um cheiro penetrante de terra molhada. Uma moça loira, com uma sombrinha para protegê-la do sol, acenou para Blake. Era Angelika, a filha de Ernest Günther. Estava acompanhada do guarda-costas que o tradutor vira depois do banquete. O escocês sorriu e acenou para ela. O guarda-costas também deu um sorriso. Blake untou os cabelos com brilhantina, os penteou para trás, vestiu o paletó e seguiu para a cozinha.
Um murmúrio de vozes e soluços alcançou seus ouvidos quando atravessava o corredor. Blake entrou e viu uma vela acesa, ardendo junto ao fogão a lenha. Depois viu a cozinheira, com um lenço na mão, os olhos inchados e vermelhos. Dois funcionários, que tomavam o café da manhã cabisbaixos e em silêncio, viraram-se para Blake, cumprimentaram-no, murmuraram alguma coisa entre si e saíram.
Sentado atrás de uma mesa de peroba, com expressão dura, Alexandre Razgulaeff molhava os bigodes numa caneca de café. Ergueu a cabeça e cumprimentou Blake com gravidade.
- o que aconteceu?
- As notícias não são nada boas, Blake.
- Lorde Lovat morreu - anunciou a cozinheira, com uma voz trêmula.
O sorriso se desmanchou no rosto de Blake. Ele se virou.
- O que a senhora disse? - balbuciou.
A cozinheira recomeçou a chorar.
Blake olhou para Razgulaeff.
O russo assentiu e repuxou os lábios para baixo. Disse:
- É verdade. Recebemos um telegrama da agência em São Paulo.
Lorde Lovat faleceu há dois dias. Garden tem mais detalhes.
Blake franziu o rosto, cobriu-o com a mão direita, encostou as costas na parede, procurando um apoio. Ficou alguns segundos de olhos fechados, o queixo encostado no peito, imóvel. Sussurrou um palavrão. Quando ergueu o rosto outra vez, seus olhos estavam cheios de lágrimas.
- Sinto muito, Blake - lamentou Razgulaeff, apertando o ombro do tradutor em sinal de solidariedade.
Ficaram calados alguns instantes.
- Ele era um homem tão bom ... - sussurrou Glória, enxugando os olhos, entre soluços. - Ajudou muito a minha família. Ele parecia tão bem quando se despediu de mim ...
Blake se aproximou da cozinheira e colocou a mão direita no ombro da senhora, reconfortando-a. Virou-se para Razgulaeff:
- Como foi que isso aconteceu?
- Vamos ao escritório, Blake - insistiu o russo. - Garden o espera.
- Vou passar um café para o senhor - disse a cozinheira. - É só um minuto ...
- Não é preciso, Glória. Obrigado - disse Blake, apertando as mãos da cozinheira, se despedindo e saindo, seguido de Razgulaeff.
Enquanto atravessavam o pátio, pequenos grupos de funcionários, agentes e curiosos sussurravam entre si. Ninguém estava trabalhando, e os carros dos corretores estavam enfileirados diante da rua. Algumas pessoas, passando diante da empresa, paravam para perguntar sobre a faixa preta junto à entrada, colocada no pavilhão, ao lado das bandeiras do Brasil e da Inglaterra.
No escritório, Nilson Garden conversava com Ernest Günther, que acabara de chegar na cidade e receber a notícia do prefeito. O alemão estava perto da janela, apoiado na bengala, o sol incidindo em seu rosto e em seus cabelos cor de areia.
Garden ergueu os olhos quando Blake entrou. Disse, com voz lenta e grave:
- Então já sabe da má notícia?
O tradutor meneou a cabeça.
- Como aconteceu?
- Lovat acabara de chegar à Inglaterra. Tinha uma reunião da diretoria na terça-feira. No dia seguinte de sua chegada foi assistir à corrida do filho. A informação que recebemos de Londres é que ele teve um colapso depois da corrida e morreu. Um ataque cardíaco fulminante. Leia o senhor mesmo - disse Garden, o lábio inferior cobrindo o superior.
Blake pegou o telegrama das mãos de Garden e leu-o com uma expressão de incredulidade e dor. Depois fechou os olhos, como se tentasse imaginar como tudo teria ocorrido.
- O velho coração do general parou de bater - disse Garden.
- Todos sabiam que o lorde não estava muito bem - falou Razgulaeff. - Quantos anos ele tinha?
- Sessenta e dois - informou Garden.
- Senhor Blake - disse Günther, apoiando o corpo na bengala, com uma expressão preocupada -, eu estou consternado com o falecimento de lorde Lovat.
- Decretei três dias de luto na cidade - informou Garden. - E pedi ao padre Braun que rezasse uma missa em sua homenagem. - Inspirou o ar dos pulmões, franziu a boca e suspirou:
- Saibam os senhores que eu perdi mais do que um amigo. Perdi um colega de muitas batalhas.
- É uma grande perda para a companhia -lamentou Razgulaeff.
- Não só para a companhia, mas para o Império - acrescentou Garden. E, voltando-se para Razgulaeff: - Lovat escreveu uma das mais belas páginas da aventura da colonização britânica.
- E brasileira também, prefeito - completou Günther. - Sem ele, não estaríamos aqui.
Blake expirou o ar das narinas. Alguns mosquitos zumbiram pela sala.
- Não consigo acreditar. Ele desembarca na Inglaterra depois de chegar do Brasil e morre assistindo a uma corrida de cavalos?
- É, dá o que pensar. .. - refletiu o alemão, coçando a testa.
Garden balançou a cabeça. Blake passeou os olhos marejados pelo escritório.
Günther apoiou as mãos na bengala e disse:
- Bem, o grande Simon Fraser nunca perdeu a fé na colonização e na tarefa histórica que estamos fazendo na região, mesmo com esta crise mundial. Seu exemplo deve continuar em nós. A melhor maneira de homenageá-lo é levar adiante nosso trabalho.
Blake olhou para Günther e depois para Razgulaeff. Não disse nada.
- Um homem generoso e honrado - continuou o russo. - Não consigo imaginar uma única pessoa que não esteja triste hoje.
- Não tenho certeza disso - opinou Blake. - A morte de Lovat deve ter sido um alívio para seus inimigos.
Garden lançou um olhar de reprovação para o tradutor. Contraiu os lábios e disse:
- Ora, Blake, Lovat não tinha inimigos.
- Como o senhor pode saber? No telegrama diz que o inquérito sobre a morte já foi concluído?
- Todos tinham grande estima por ele - interrompeu Günther. O tradutor deu de ombros.
- Todos disseram que Nussbaum também não tinha inimigos, e no entanto ...
- Espere um pouco, Blake ... O que está insinuando? - perguntou Razgulaeff.
- Quis dizer apenas que os interesses de Lovat nem sempre eram os interesses das pessoas com as quais tinha de lidar. Sua atuação no governo contrariou a vontade de muita gente ...
- Ora, Blake, o senhor não sabe do que está falando ... - disse o russo.
Autor: Gonçalo Junior
Veículo: Em Valor Economico – Caderno Eu & Fim de Semana – Sexta feira 7 de novembro 2014
Fonte: Jornal Valor Economico
Por Gonçalo Junior, para Valor
Fluência e certa naturalidade narrativa são algumas das principais características do romance policial "O Trovador", que marca a estreia nesse gênero do tradutor, poeta e prosador paranaense Rodrigo Garcia Lopes.
O livro tem méritos em um contexto literário brasileiro marcado pelo modismo de certo experimentalismo exagerado, pretensioso e confuso surgido a partir da década de 1990.
Ou seja, o esnobismo intelectual e pouco talento para narrativas de fôlego, disfarçados na complexidade de tramas difíceis de ser compreendidas e pouco sedutoras.
Lopes foge do que se poderia chamar de literatura tortuosa, ao seguir um caminho oposto: seus escritos estão amparados na combinação eficiente das palavras e das frases, que funciona por meio de certo tom lírico. Em especial, nas passagens descritivas, que dão mais solidez à história que se quer contar.
Ele escreve com elegância e estilo.
Dá ao leitor o prazer em acompanhar suas peripécias literárias, em situações improváveis, mas que funcionam. Seu desafio foi enorme e considerar que ele optou por contar uma história policial, ambientada em sua cidade natal, Londrina, na década de 1930. O protagonista é Adam Blake, escocês tradutor e intérprete que fala português e está na cidade a serviço da companhia britânica Paraná Plantations Limited – que existiu de verdade e se chamava Companhia de Terras Norte do Paraná. O mistério que lhe cabe desvendar envolve figuras históricas importantes e se desdobra em crimes aparentemente sem solução. Tudo é conduzido a partir de uma rigorosa pesquisa documental, que acaba por permitir uma visualização mais precisa e deixa a narrativa mais envolvente.
A trama se passa durante a colonização do norte do Paraná, quando foi importante o papel da Paraná Plantations. O assassinato que deflagra a investigação de fato aconteceu e ficou famoso na época. A vítima foi o contador da companhia inglesa e a apuração passa a ser coordenada pelo próprio governo inglês, que dá a missão a Blake. Ele se aventura como detetive, em parceria com o delegado brasileiro de sobrenome Silva. Os dois acabam por descobrir coisas bem mais erradas que a simples eliminação de um estrangeiro.
Para costurar a trama, Lopes se serviu da visita ao Paraná, verdadeira, do então principe de Gales e futuro rei da Inglaterra, Edward VIII, ao Paraná e o inseriu na trama a introdução do livro, por exemplo, ocorre em Londres.
Desse modo, o autor busca seu propósito de ligar a história ao nascimento da "Pequena Londres", como foi depois batizada – Londrina -, cidade que nasceu como um ajuntamento de raças de todo o planeta que vieram desbravar os confins paranaenses.
Como se passaram 80 anos da trama até a atualidade, é de imaginar o trabalho que deu para Lopes reconstruir o período, seu trunfo para seduzir o leitor.
Nessa mistura entre a Inglaterra civilizada e o Brasil selvagem, entre a ficção e a história, Lopes mostra que o futuro rei teria colaborado com ascendente nazismo de AdolfHitler e levaria à Segunda Guerra a partir de 1939, enquanto o protagonista se apaixona por uma prostituta brasileira. Ele faz algumas adequações, sem prejuízo da sua veracidade, como levar os príncipes Edward e James da Inglaterra a visitar Londrina em 1931. De fato, os dois estiveram no Estado, mas só foram perto da cidade e desistiram, por causa das dificuldades de acesso ao local.
Construído com elementos de erudição sem ser chato e referências dos clássicos romances de crimes, "O Trovador" é uma estreia de prosa longa em grande estilo. Ao contar boas histórias, pouco conhecidas, sobre um Brasil perdido, convence que certos supostos absurdos bem poderiam ter acontecido e tomado tudo mais interessante.
Em 7 de novembro de 2014, Gonçalo Junior, jornalista do jornal Valor Econômico, Caderno Eu & Final de Semana, escreve boa matéria sobre o livro “O Trovador” tecendo elogios ao autor e disse que a trama muito bem elaborada tratava de “Crimes entre a civilização e a barbárie”. Só o comprei e li em maio de 2015.
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