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Traduzido por: Ari Roitman e Paulina Wacht
Páginas: 163
Ano de edição: 2016
Peso: 305 g
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A história de Gustavo Sanchéz Sanchéz, “o Estrada”, nascido na cidade de Pachuca, México. Homem de muita sorte e carisma que se considerava o melhor leiloeiro do mundo. Tanto vendia, como comprava. Ele participa de um leilão onde compra dentes de Marilyn Monroe e os troca pelos seus. E assim vai vivendo até que seus dentes se acabam.
Lote alegórico nº 2: Janela feita de luz
Artista: Olafur Sánchez Eliasson
Listagem: 5M
A costureira aposentada Margo Glantz só acordou seu filho quando o jantar acabou. Na última semana, Margo Glantz, que padecia de insônia, se irritava com a presença do filho, David Miklos, que por sua vez padecia de narcolepsia. David Miklos perdera seu trabalho de caixa na Farmácia da Economia, pois havia dormido mais de uma vez e nas circunstâncias mais imprevisíveis. Agora, já fazia uma semana que ele passava o dia inteiro tirando sonecas repentinas em qualquer canto da casa. Margo Glantz o considerava indolente, ocioso e frouxo, pois não sabia do seu transtorno.
Secretamente, talvez, cobiçava essa capacidade de dormir em qualquer hora do dia.
Numa segunda-feira à tarde, enquanto David Miklos tirava outro cochilo inoportuno na poltrona, Margo Glantz colou na testa dele uma fileira de selos, lambendo cada um com a ponta da língua, e o levou nos braços para a agência de correios. Depositou-o suavemente sobre o balcão e pediu à moça que o enviasse para Suriname. A moça olhou-a com ar de superioridade e disse que aquele pedido era impossível de ser realizado porque faltavam quatro selos - eram necessários nove selos para a África e aquele pacote só tinha cinco.
Mas Suriname fica na América do Sul, sua idiota, objetou Margo Glantz.
Então são doze selos, corrigiu a moça.
Além do mais, disse, a agência de correios já estava fechando, de modo que ela teria que voltar no dia seguinte.
Margo Glantz voltou no dia seguinte e também no seguinte, com David Miklos dormindo pacificamente em seus braços. Mas sempre faltava alguma coisa - um selo, uma carta registrada em cartório para encomendas de dimensões não convencionais, mais dinheiro, uma identificação oficial, o código postal completo do endereço que informou em Paramaribo. A moça - que talvez não fosse a mesma sempre, mas parecia - a olhava com desprezo e pedia que voltasse no dia seguinte.
Na manhã do sétimo dia, domingo, Margo Glantz decidiu deixar Oavid Mildos dormir. Acordou cedo, tomou um banho morno e foi a uma pet shop. Como não havia cães à venda, ela se contentou com um coelho de segunda mão. Chamou-o de Cockerspaniel. O coelho era muito velho, talvez ancião, e quando tentou colocar-lhe uma correia para sair da loja, ele resistiu.
Levou-o no colo para casa e o deixou no piso da sala, ao pé da poltrona em que David Miklos continuava dormindo.
Margo Glantz levou para a sala uma cadeira da cozinha, procurando fazê-lo ruidosa e lentamente. Pôs para tocar um disco da cantora Taylor Mac, sentou-se, cruzou as pernas e, cantando em altos brados, olhou intensamente para Cockerspaniel, que, por sua vez, olhou para ela com extrema displicência, até que fechou os olhos e adormeceu profundamente. Margo Glantz viu que o coelho tinha escolhido uma lajota ensolarada no piso para fazer a sesta e sentiu uma inveja enorme daquele animal. Pensou em leválo imediatamente à agência de correios e enviá-Io para Suriname - ou para onde fosse. Mas logo descartou a ideia, pois lembrou que a nojenta, ridícula e ineficiente agência postal nem abria aos domingos. Depois tentou acordá-lo, mas o coelho entreabriu uma pálpebra e voltou a dormir.
Margo Glantz passou a tarde toda olhando o seu filho dormir, e também Cockerspaniel, que quase imperceptivelmente foi deslizando seu corpo pequeno e peludo pela sala, à medida que o sol caía e o paralelogramo de luz que entrava pela janela e se projetava no piso ia se movendo em direção à parede, indicando à sua maneira o passar das horas.
Quando o sol finalmente se pôs e o remendo de luz desapareceu por completo, Cockerspaniel abriu os olhos. Margo Glantz estava ao seu lado, em pé, segurando uma frigideira pelo cabo. Com a base, bateu cinco vezes na cabeça dele. Uma vez morto, esfolou-o cuidadosamente e depois cozinhou com alecrim, louro e vinho branco. Quando acabou de jantar, acordou carinhosamente David Miklos e abriu de par em par a janela da sala para deixar entrar o vento fresco, úmido da noite.
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Comprei “A história dos meus dentes” logo após assistir um verdadeiro show dos escritores J.P.Cuenca e Valéria Luisetti, no dia 1 de agosto de 2016, na FLIP em Parati.
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