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Traduzido por: Livro Editado em Português (de Portugal)
Páginas: 368
Ano de edição: 2012
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Num país qualquer, num dia chuvoso, poucos eleitores vindos de Lisboa, após grandes cheias, compareceram para votar durante a manhã. As autoridades eleitorais preocupadas chegaram a supor que haveria uma abstenção gigantesca. À tarde, quase no encerramento da votação, centenas de milhares de eleitores compareceram aos locais de votação. Formaram-se filas quilométricas, e tudo pareceu normal. Mas, para desespero das autoridades eleitorais, houve quase setenta por cento de votos em branco. Uma catástrofe.
Pediu ao contínuo que lhe trouxesse a gabardina, pegou na pasta dos assuntos a estudar em casa desceu.
O motorista, que estava à espera, abriu a porta do carro, Disseram-me que não precisa de mim, senhor presidente, Assim é, pode ir para casa, Então, até amanhã, senhor presidente, Até amanhã.
É interessante como levamos todos os dias da vida a despedir-nos, dizendo e ouvindo dizer até amanhã, e, fatalmente, em um desses dias, o que foi último para alguém,
ou já não está aquele a quem o dissemos, ou já não estamos nós que o tínhamos dito. Veremos se este amanhã de hoje, a que também costumamos chamar o dia seguinte, encontrando-se
uma vez mais o presidente da câmara e o seu motorista particular, serão eles capazes de compreender até que ponto é extraordinário, até que ponto foi quase um milagre terem dito até amanhã e verem que se cumpriu como certeza o que não havia sido mais que uma problemática possibilidade. O presidente da câmara entrou no carro. Ia dar uma volta pela cidade, olhar as
pessoas à passagem, sem pressas, estacionando uma vez por outra e sair para caminhar um pouco a pé, escutar o que se dissesse, enfim, tomar o pulso à cidade, avaliar a força do febrão que se estava incubando. De leituras da infância recordava que um certo rei do oriente, não estava bem certo de que fosse rei ou imperador, o mais provável é que se tratasse do califa da
época, saía disfarçado de vez em quando do seu palácio para ir misturar-se com o povinho, com a arraia-miúda, e ouvir o que de si se dizia no franco parlatório das ruas e das praças. Na verdade, não seria tão franco quanto isso porque naquele tempo, como sempre, também não haviam faltado espiões para tomarem nota das apreciações, das queixas, das críticas e de algum embrionário planeamento de conspiração. É regra invariável do poder que, às cabeças, o melhor será
cortá-las antes que comecem a pensar, depois pode ser demasiado tarde. O presidente da câmara não é rei desta cidade cercada, e quanto ao vizir do interior, esse exilou-se para o outro lado da fronteira e está, a esta hora, seguramente, em reunião de trabalho com os seus
colaboradores, iremos sabendo quais, e para quê. Por isso este presidente da câmara não necessita ir disfarçado com barba e bigode, a cara que leva posta no sítio da cara é a sua de sempre, apenas um pouco mais preocupada que de costume, como se tem notado pelas rugas da testa. Algumas pessoas reconhecem--no, mas são poucas as que o saúdam. Não se creia, porém, que os indiferentes ou os hostis são só aqueles que votaram de origem em branco, e por conseguinte veriam nele um adversário, também não poucos dos votantes do seu próprio partido e do partido do meio o olham com indisfarçada suspicácia, para não
dizer mesmo declarada antipatia, Que andará este tipo a fazer aqui, pensarão, por que veio misturar-se à escuma lha dos brancosos, devia era estar no seu trabalho a merecer o que lhe pagam, se calhar, como agora a maioria passou a ser outra, veio à caça de votos, se foi essa a ideia stá bem tramado, que eleições não as vai haver aqui tão cedo, se eu fosse governo sei bem o que faria, dissolveria esta câmara e nomearia em seu lugar uma comissão administrativa decente, de absoluta confiança política.
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Durante a FLIP, em julho de 2016, passei no templo Folha de São Paulo e trouxe um monte de livros editados pela folha, entre eles “Ensaio sobre a Lucidez”.
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