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Traduzido por: Livro Editado em Português do Brasil
Páginas: 617
Ano de edição: 2003
Peso: 1.045 g
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Marcio Mafra - Data: 27/11/2009 - Conceito : Excelente
Tem livro que é excelente desde a capa. Maldita Guerra é um deles. O autor, Doutor Doratioto fez pesquisas durante 15 anos em arquivos e bibliotecas do Rio da Prata e da Europa. Só no Paraguai ele residiu durante três anos, por conta da pesquisa. Ele refuta a tese, adotada pela maioria dos historiadores, de que o Império Inglês teria tantos interesses na guerra que a fez desencadear. Ao longo do livro faz relatos minuciosos da luta e das implicações políticas, econômicas e sociais tanto no Império do Brasil, como na Argentina e Uruguai. O autor atribui e procura demonstrar que toda a responsabilidade pelo início da guerra é do General Francisco Solano Lopez. Ele nega os interesses ingleses, quando examina provas de que foi o exército de Solano que invadiu o Brasil, em 28 de dezembro de 1864 quando tomou o Forte Coimbra, no Mato Grosso. Foi o tanto quanto bastou. Solano passa a ser considerado um irresponsável, sanguinário e despótico até o dia de sua morte. Raciocínio simplista, mas digno de ser lido e estudado. São muitos os detalhes, muitas as motivações além de se considerar que o Uruguai, liderado por Aguirre, estava quase esfacelado por lutas internas e tinha o Império do Brasil como inimigo. A Argentina, liderada por Bartolomé Mitre, também se digladiava internamente por interesses no Uruguai e no próprio Paraguai. O livro em si é muito detalhista, mas não segue uma cronologia capitular (os assuntos tornam e retornam em qualquer capítulo), dificultando, por vezes, a compreensão dos fatos. Para entender os fatos cronológicos é preciso recorrer ao índice, contido em 15 páginas, localizado no final do livro, antes das "fontes e bibliografia". Mesmo assim é uma obra excelente, tanto pelo texto inteligível, como pela abrangência da pesquisa, que proporciona alguns fatos inéditos e respectivas interpretações militares ou políticas, desconhecidas ou omitidas pela maioria dos historiadores. É um livro de respeito, que vale cada real pago. Deve ser lido e consultado por qualquer estudioso da história política, militar, econômica, racial e social, do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Ao final não se dissipa a sensação de que o Paraguai foi trucidado covardemente, embora não o afirmem as estatísticas, posto que - no início da guerra - o exército do Paraguai possuía 77 mil soldados e a tríplice aliança 17 mil. Resta a sensação de que Solano Lopez não foi o mocinho nem o bandido do filme. Com certeza, a insensatez dos governantes impôs às quatro nações inominável prejuízo, social, antropológico, político e econômico, com um elevadíssimo preço que foi resgatado com a vida de seus respectivos cidadãos. Da mesma forma, não se fica completamente convencido do não-interesse inglês, no desencadeamento da guerra, pois o Reino Unido era mega financiador de todos os governos e algumas empresas da região, como também era o grande e único fornecedor de armamentos, dos navios e embarcações de guerra utilizados tanto pelo Brasil como pelo Paraguai, Argentina e Uruguai, embora estes dois últimos possuíssem uma marinha inexpressiva. A enorme documentação que menciona faz de Maldita Guerra uma obra de referência. Se livro fosse um espetáculo, este seria aplaudido de pé.
A história da funesta guerra, iniciada em dezembro de 1864 quando os paraguaios invadiram o território do Império do Brasil. Em resposta uniram-se as Republicas da Argentina, Uruguai e o Reino do Brasil que formaram a tríplice aliança e lutaram contra as forças do Paraguai até março de 1870, quando o povo a marinha e o exército paraguaio e seus soldados foram completamente dizimados.
Os chefes navais brasileiros resistiram a executar o plano de Mitre de cercar Humaitá por terra e isola-la totalmente. Pelo plano, a esquadra devia forçar a ultrapassagem da fortaleza, sob inevitável duelo de artilharia, até encontrar-se com as tropas aliadas rio acima. Tamandaré e, em seguida, Inhaúma suspeitavam de que Mitre buscava causar a destruição da esquadra pelos canhões de Humaitá e assim enfraquecer a Marinha imperial, instrumento de poder do Império no Prata, de modo a deixar a Argentina em posição militar vantajosa no pós-guerra. Alem dessa desconfiança, também contribuía para não se utilizar todo o potencial da esquadra o fato de seu comando superior ser composto de oficiais veteranos, leais ao Estado monárquico, mas acomodados a tarefas burocráticas, inadaptados a nova tecnologia naval e as condições da guerra contra o Paraguai. Eram incompetentes para chefiar os modernos navios, que haviam incorporado os últimos avanços tecnológicos da época, e para aplicar novas táticas, visando a ação coordenada com o Exercito aliado. Na análise das decisões dos chefes militares, aliados e paraguaios, na guerra é conveniente repetir a seguinte observação de Dionísio Cerqueira: A crítica, porém, aos grandes mestres é sempre fácil. A arte da guerra e aquela em que mais erros se comete. Os maiores capitães cochilaram, como o divino Homero. A guerra, na frase de um ilustre oficial francês, e uma série de erros e vence o que menos erra. O lado aliado errou menos, embora tenha errado muito. Terminada a guerra, a política do governo imperial, sob o controle do Partido Conservador, foi a de reafirmar a existência do Paraguai como Estado independente e, ao mesmo tempo, evitar que a Argentina se apossasse de todo o Chaco, como lhe fora facultado pelo Tratado da Tríplice A1iança. O presidente Sarmiento, por sua vez, desconfiando de intenções expansionistas por parte do Império sobre o Paraguai, não defendeu que os limites deste com seu país e com o Brasil fossem resultado da aplicação pura e simples dos termos desse Tratado. Ao contrário, o governo argentino surgiu com a política de que a vitória militar não concedia aos vencedores direitos sobre o vencido quanto a definição de fronteiras. A diplomacia imperial fez uso desse argumento e aproveitou-se da ocupação militar brasileira do país vencido para tutelar seus governantes, de modo a impedir que todo o Chaco se tornasse argentino. Ao mesmo tempo, o Império assinou, em 1872, tratado de paz separadamente com o Paraguai, pelo qual definia a fronteira comum, que alcançava o rio Apa, como o Brasil pleiteava antes da guerra. Esse tratado ia contra 0 Tratado da Tríplice Aliança, que proibia a qualquer aliado assinar isoladamente a paz com o país guarani. Assistia-se a um vencedor, o Brasil, aliar-se com o vencido para impedir a concessão do Chaco a outro aliado, a Argentina. Esta, porem, estava em posição desfavorável no plano militar e no político para reagir e lhe restava o uso da diplomacia para tentar obter, do Brasil, o reconhecimento de continuar a vigorar o Tratado da Tríplice Aliança, que ratificasse as demandas territoriais argentinas em relação ao Paraguai. Esse foi o sentido da missão de Bartolomé Mitre, representando o governo Sarmiento, a capital brasileira, em 1872, mas que se revelou infrutífera, pois quando ele se dirigiu a Assunção, no ano seguinte, não recebeu o apoio do negociador imperial, barão de Araguaia. A diplomacia argentina buscou, então, obter um acordo de paz e limites com o Paraguai a revelia do Império, e, em 1875, foi assinado o Tratado Sosa-Tejedor, que, devido a pressão brasileira, não foi ratificado pelo governo paraguaio. Apenas em 1876 as duas Republicas assinaram aqueles acordos, quando a hegemonia do Brasil no Prata estava enfraquecida, e impedia, como ocorrera anteriormente, uma influência brasileira decisiva sobre as negocia~6es. Mesmo assim, 0 resultado do Tratado argentino-paraguaio satisfez ao Rio de Janeiro, pois foi ratificada a independência paraguaia e a Argentina não se apossou de todo o Chaco. A definição da fronteira entre os dois países nesse territ6rio ficou na dependência de laudo arbitral do presidente norte-americano, o qual, em 1878, decidiu favoravelmente ao Paraguai. Tal qual a diplomacia imperial desejava, o rio Pilcomayo tornou-se o limite fronteiriço entre a Argentina e o Paraguai. Entre 1869 e 1876, o governo imperial, sob o controle dos conservadores, foi bem-sucedido no desafio que estes lançaram, por meio do Conselho de Estado, em 1865, quando se discutiu o Tratado da Tríplice Aliança, já assinado e ratificado. Apontaram eles, então, que a concessão, a Buenos Aires, do Chaco, ate a Bahia Negra, colocava em risco a continuidade do Paraguai como Estado independente e, ainda, ampliava a fronteira entre o Império e seu inimigo em potencial, a Argentina. Apesar da destruição causada pela guerra, da falta de recursos na construção da nova estrutura governamental, moldada nos padrões do liberalismo, e da ascendência econômica argentina, o Paraguai manteve sua existência própria, satisfazendo ao objetivo maior da diplomacia imperial em relação a esse país. O Rio de Janeiro viu, ainda, suas demandas territoriais serem satisfeitas por Assunção, enquanto frustrou as da Argentina, a qual teve que se contentar com o Chaco Central, como indicara o referido Conselho de Estado uma década antes. Para o Paraguai, a guerra contra a Tríplice Aliança levou a destruição do Estado existente e a perda de territórios disputados com seus vizinhos. A derrota teve o significado de causar "a ruptura definitiva de um modelo de crescimento econômico que significava, a época, as bases para uma formidável expansão capitalista em todo o sistema [produtivo] nacional. A reorganização do país levaria décadas e, em termos comparativos com os Estados vizinhos, o Paraguai não conseguiu alcançar o mesmo nível de desenvolvimento econômico de antes da guerra. A destruição da economia paraguaia foi de tal monta que o país recebeu apenas de forma mediatizada o impacto que teve, na consolidação das economias agro exportadoras da Argentina e do Uruguai, a introdução de fatores produtivos, como a imigração européia e os capitais estrangeiros. As estatísticas sobre as perdas paraguaias na guerra variam entre 8,7% e 69% da população. Também são divergentes os cálculos sobre o número de habitantes do Paraguai no pré-guerra, que, segundo estudos recentes, variaria entre 285.715 e 450 mil pessoas. Portanto, seria entre 28.286, no mínimo, e 278.649, no máximo, a redução da população paraguaia durante os cinco anos de guerra. Não há dúvidas, porem, de que a maior parte dos mortos não o foi em combate, mas, sim, devido a doenças, fome e exaustão física. Em contrapartida, uma parcela desses desaparecidos era composta de paraguaios que viviam em territórios que foram reconhecidos como soberania da Argentina e do Brasil ou, ainda, que emigraram para esses dois países no pós-guerra para fugir da situação de miséria em que o Paraguai se encontrava. O Brasil enviou para a guerra cerca de 139 mil homens, dos quais uns 50 mil morreram. Destes, a maior parte não pereceu em combate, mas, sim, devido a doenças e aos rigores do clima. Entre os aliados, o Uruguai enviou por volta de 5.500 soldados, dos quais, no final da guerra, restavam uns quinhentos; os demais morreram em combate, de doenças, ou desertaram. As tropas argentinas sofreram perdas em torno de 18 mil homens, entre mortos e feridos, dos pouco menos de 30 mil soldados que a Argentina enviou ao Paraguai. Para o Império do Brasil, a Guerra do Paraguai expos sua fragilidade militar em grande parte estrutural, devido ao regime escravocrata. O Império foi capaz, porem, de superar essa fragilidade, de mobilizar todos os seus recursos e de atingir o apogeu de seu poder no Prata. Saiu vitorioso militarmente e fortaleceu, nessa região, sua hegemonia, que se iniciou na década de 1850 e se prolongou até 1875. No plano interno, o conflito foi o ponto de inflexão que deu início a marcha descendente da monarquia brasileira. Os gastos com cinco anos de guerra exauriram o Tesouro brasileiro e o equilíbrio orçamentário do Império não foi recuperado. O Exército, por sua vez, saiu do conflito com um sentimento de identidade desconhecido anteriormente, forjado com sangue nos campos de batalha. Após o final da guerra, foi crescente a dissociação entre o Exército e a monarquia a ponto de, em 1889, ele ser o instrumento dos republicanos para dar o golpe de Estado que depôs Pedro II e criou a Republica brasileira. Para o Uruguai, as repercussões da guerra foram menores, apesar de a situação nesse país ter sido o elemento catalisador das contradições que levaram ao conflito. Na Argentina, o descontentamento do interior com a guerra e a aliança com o Império contribuíram para diferentes rebeliões federalistas contra o governo nacional, que conseguiu reprimi-las, fortalecendo-se e legitimando-se. No plano econômico, os criadores de gado, os que cultivavam cereais e os comerciantes de Buenos Aires se beneficiaram com as compras do Império, para abastecer suas tropas no Paraguai. O Estado argentino endividou-se com a guerra, mas as economias das provinciais próximas do teatro de operações foram beneficiadas, ao contrário do Brasil, onde o governo ficou endividado sem que o conflito tivesse estimulado a atividade econômica do setor privado. A guerra contribuiu para a consolidação do Estado nacional centralizado na Argentina e para a dinamização de sua economia, enquanto, em relação ao Brasil, serviu para acelerar as contradições internas do Estado monárquico e constituiu-se em obstáculo para o crescimento econômico. No plano regional, o conflito significou a possibilidade de alterar o quadro das relações platinas. Os liberais argentinos e brasileiros, no poder em seus respectivos países entre 1862 e 1868, não viam, por ocasião do início da luta, o Tratado da Tríplice Aliança esgotar-se em si mesmo com a vitória sobre o Paraguai. Principalmente os liberais ligados a Mitre pensavam em redirecionar as re1ações argentino-brasileiras, substituindo a disputa, que trazia atritos e instabilidade no Prata, pe1a cooperação, instrumento gerador da estabilidade e garantidor da paz na região. Tratava-se de projeto de uma verdadeira aliança estratégica argentino-brasileira, de uma aliança perpetua nas palavras do ministro das Re1ações Exteriores da Argentina, Rufino de Elizalde, que baseada na justiça e na razão [ ... ] será abençoada por nossos filhos. Tanto na Argentina quanto no Brasil, essa aliança estratégica foi encampada por setores políticos minoritários, mas se desgastou aceleradamente a partir do desaparecimento de Solano Lopez, inimigo comum. Desde 1868, os críticos dessa aliança ascenderam ao poder, tanto em Buenos Aires como no Rio de Janeiro, e projetaram no outro aliado objetivos contrários a soberania do Paraguai: para a Argentina, o Império queria ter o pais guarani como protetorado; para o Brasil, o governo Sarmiento planejava promover a incorporação do Paraguai. Essa projeção de intenções resultava, em parte, do peso das desconfianças históricas entre as duas partes, que tinham suas raízes no período colonial. Reforçadas no início da vida independente de ambos os países, as desconfianças persistiram devido as divergências entre chefes militares argentinos e brasileiros durante a Guerra do Paraguai. A política externa argentina e a brasileira, em uma dinâmica realimentadora entre a imagem que projetavam sobre as intenções da outra, e a realidade, em boa parte resultante dessa projeção, rivalizaram-se para impor sua influência na reconstrução institucional e na definição territorial do Paraguai no pós-guerra. Historicamente precoce, a cooperação estratégica planejada por Mitre constituiu-se, de todo modo, em um precedente, a esperar momento histórico mais favorável para sua realização.
Autor: Eduardo Galeano - Jornalista e escritor uruguaio 1940/2015
Veículo: Livro de Eduardo Galeano - Capitulo da Guerra contra o Paraguai
Fonte: Livro As Veias Abertas da America Latina
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