Marcio Mafra
03/08/2020 às 17:33
Brasília - DF
Nunca trepamos com tanta urgência quanto nessas semanas, mas ela está desaparecendo mais e sentindo menos. Ela goza sem muita frequência.
Petra se retrai por períodos cada vez mais longos - um minuto, quatro, sete. Cada episódio mostra um aspecto diferente dela: um esqueleto,
músculos viscosos, as formas escuras dos seus órgãos, nada. Ela acorda chorando e passo o meu braço com força em volta dela, sussurrando
com delicadeza em seu ouvido para que ela se acalme. Petra lê boatos na internet sobre como é possível retardar o desaparecimento. Um fórum
fala sobre uma dieta rica em ferro, de modo que ela cozinha espinafre suficiente para alimentar uma família grande e o mastiga sem dizer nada.
Outro recomenda banhos gelados e a encontro tremendo e arrepiada na banheira. Ela me deixa secá-Ia, como se fosse criança.
Petra quer sair para uma caminhada num domingo quente, então saímos. A primavera chega aos trancos e barrancos no vale e hoje os
caminhos pela mata estão lamacentos. A neve derrete e pinga água nos nossos cabelos. Seguimos um córrego que é praticamente um ser
vivo, brotando desordenado pelas suas próprias curvas.
Descansamos em uma clareira ensolarada e comemos laranjas e frango frio. Petra passou a tratar cada refeição como se fosse a última, de
maneira que ela tira a pele dos pedaços de frango e mastiga-a de olhos fechados, e depois a própria carne, e então chupa com vontade cada osso
antes de jogá-los fora em meio às árvores. Ela coloca cada fatia de laranja na boca com reverência, como se fosse uma hóstia, morde os gomos e
tira as cascas como pele de cutícula. Esfrega as cascas na pele.
"Tenho lido umas coisas", diz Petra entre goles de água gelada.
"Parece que acham que as mulheres transparentes tão fazendo esse tipo de ... não sei, acho que dá pra chamar de terrorismo? Elas tão
entrando em sistemas elétricos e zoando com servidores, caixas e urnas eletrônicas. Protestando." Petra ainda se refere a elas na terceira
pessoa.
"Gosto disso."
Fora o zumbido dos insetos e o canto dos pássaros, a mata está silenciosa. Tiramos as nossas roupas e nos banhamos no sol. Examino
as pontas dos meus dedos contra os halos claros cor de âmbar e rosados em volta das sombras dos meus ossos.
Me debruço sobre Petra e beijo o seu lábio inferior, o superior.
Beijo a sua garganta. Enfio a minha mão entre suas coxas.
À nossa volta, os minutos se estendem pela terra como formigas:
caem no córrego cheio e são levados pela correnteza.