Marcio Mafra
24/07/2021 às 19:29
Brasília - DF
A aniquilação é apenas a cauda muito fina da curva normal muito longa do aquecimento, e não há nada que nos impeça de mudar de rumo para fugir dela. Mas o que reside entre nós e a extinção é bastante apavorante, e ainda nem começamos a contemplar o que significa viver sob tais condições — quais as consequencias para nossa política, cultura e equilíbrio emocional, nossa percepção da história e a relação com ela, nossa percepção da natureza e a relação com ela, do fato de que estamos vivendo em um mudo degradado por nossas próprias mãos, com o horizonte da possibilidade humana dramaticamente menos visível.
Podemos ver ainda o surgimento de um deus ex machina climático ou, antes, construir um, na forma da tecnologia de captura de carbono ou geoengenharia, ou na forma de uma revolução no modo como geramos energia, elétrica ou política. Mas essa solução se é que a veremos um dia, virá à tona em um futuro sombrio distorcido por nossas emissões, como se por um glaucoma.
Os intoxicados por séculos e séculos de triunfalismo ocidental, mais do que os outros, tendem a ver a narrativa da civilização humana como a conquista inexorável da Terra, não a saga de uma cultura insegura, crescendo de forma caótica e vacilante como bolor sobre sua superfície. Essa fragilidade, presente em tudo que os humanos podem causar ao planeta, é o maior insight existencial do aquecimento global, mas está apenas começando a abalar nosso triunfalismo; embora, há uma geração, se tivéssemos parado para contemplar as possibilidades, provavelmente não teríamos ficado surpresos em ver uma nova forma de niilismo político emergindo na região do mundo que já é a mais castigada pelo aquecimento global - o Oriente Médio —, manifestando-se ali em espasmos suicidas de violência teológica. Numa região que outrora já foi chamada, grandiosamente, de o “berço da civilização”. Hoje, o niilismo político se irradia por quase toda parte, mediante as inúmeras culturas que surgiram, ramificando-se a partir de suas raízes no Oriente Médio. Já ficou para trás a estreita janela de condições ambientais que permitiram ao animal humano evoluir, mas não apenas evoluir — essa janela contém tudo o que recordamos como história, valorizamos como progresso e estudamos como política. O que significará viver fora dessa janela, provavelmente bem longe dela? Esse ajuste de contas é o assunto deste livro.