Marcio Mafra
13/09/2021 às 20:54
Brasília - DF
Esta noite farei minhas orações.
Não mais ajoelhada ao pé da cama, os joelhos no chão duro de madeira do ginásio, com Tia Elizabeth postada diante das portas duplas, de braços cruzados, o aguilhão de gado suspenso em seu cinto,enquanto Tia Lydia caminha em passadas largas ao longo das fileiras de mulheres de camisola ajoelhadas, batendo em nossas costas ou pés ou nádegas ou braços de leve, apenas um peteleco, uma pancadinha, com sua vareta de madeira, se curvarmos ou afrouxarmos a postura.
Ela queria nossas cabeças inclinadas exatamente da maneira certa, os dedos dos pés unidos e em ponta, os cotovelos no ângulo correto, Parte de seu interesse nisso era estético: ela gostava da visão da cena.
Queria que parecêssemos algo anglo—saxão, esculpido num túmulo, ou anjos de um cartão de Natal, uniformizadas em nossos trajes de pureza. Mas conhecia também o valor espiritual da rigidez corporal,do esforço muscular: um pouquinho de dor limpa a mente, dizia.
Aquilo por que orávamos era pelo vazio, de modo que pudéssemos ser preenchidas: com graça, com amor, com abnegação, sêmen e bebês.
Ó Deus, Rei do universo, obrigada por não me ter criado homem.
Ó Deus, oblitera-me. Torna-me fecunda, mortifica a minha carne; para que eu possa ser multiplicada. Permite-me ser preenchida.
Algumas delas deixavam-se arrebatar com isso. O êxtase da degradação. Algumas gemiam e choravam.
Não há sentido em chamar atenção para si mesma, Janine, dizia Tia Lydia.