Marcio Mafra
03/10/2021 às 23:11
Brasília - DF
— Bota pra foder, vato! — Alex grita, e Henry ri sem perceber. Ele até balança o quadril um pouco.
— Pensei que você não ficaria de babá a noite toda —June sussurra em seu ouvido enquanto passa.
— Pensei que você estava ocupada demais para pensar em homens —Alex responde, apontando com a cabeça para Pez. Ela da uma piscadinha para ele e desaparece.
A partir de então, é uma série de hits noite adentro, as luzes e a música estourando o mais alto possível. Confetes voando pelo ar sabe—se lá como. Eles contrataram canhões de confete? Mais bebida
— Henry começa a beber direto de uma garrafa de Moët & Chandon, Alex gosta da cara que Henry faz, o aperto seguro de sua mão na garrafa, a maneira como seus lábios cobrem o gargalo. A disposição de Henry para dançar é diretamente proporcional à proximidade das mãos de Alex, e o calor animado sob a pele de Alex é diretamente proporcional à expressão da boca de Henry quando ele o observa com Nora. É uma equação que ele está longe de estar sóbrio o suficiente para começar a entender.
Eles todos se reagrupam às 23h59 para a contagem regressiva, olhos turvos e braços envolvendo uns aos outros. Nora grita “três, dois, um" bem no ouvido de Alex e joga o braço em torno dele enquanto ele grita que sim e a beija desajeitadamente, rindo. Eles fazem isso todo ano, ambos eternamente solteiros, carinhosamente bêbados e felizes em deixar todos intrigados e com inveja. A boca de Nora é quente e tem um gosto horrível de schnapps de pêssego, e ela morde o lábio dele e bagunça seu cabelo para completar.
Quando ele abre os olhos, Henry está olhando para ele, a expressão indecifrável.
Ele sente seu sorriso ficar maior, mas Henry se afasta e torna um gole generoso da garrafa de champanhe à qual está agarrado antes de desaparecer na multidão.
Alex perde a noção das coisas depois disso, porque ele está muito, muito bêbado e a música está muito, muito alta e tem muitas, muitas mãos em cima dele, levando—o pela confusão de corpos dançando e lhe passando mais bebida. Nora passa montada nas costas de um cara malhado, um jogador de futebol americano novato.
É barulhento, confuso e maravilhoso. Alex sempre adorou essas festas, a alegria brilhante de tudo, o champanhe que borbulha em sua língua e os confetes que grudam em seus sapatos. É um lembrete que embora ele se estresse e se angustie entre quatro paredes, sempre haverá um mar de pessoas onde ele pode desaparecer, que o mundo pode ser caloroso e convidativo e encher as paredes dessa casa grande e antiga em que ele mora de algo iluminado, tão vivo e contagiante.
Mesmo assim, em algum lugar, sob o álcool e a música, ele não consegue deixar de notar que Henry sumiu.
Ele procura nos banheiros, no bufe, nos cantos sossegados do salão de festas, mas ele não está em lugar nenhum. Ele tenta perguntar para Pez, gritando o nome de Henry para ele, mas Pez apenas sorri, dá de ombros e rouba um boné de um cara que passa.
Ele fica ....Preocupado não é exatamente a palavra. Incomodado. Curioso. Ele estava se divertindo em ver como tudo que ele fazia se refletia no rosto de Henry. Ele continua procurando, até tropeçar no próprio pé perto de uma das janelas grandes do corredor. Ele está levantando quando olha para o jardim do lado de fora.
Lá, embaixo de uma árvore na neve, soprando pequenas nuvens de vapor, está um vulto alto e magro de ombros largos que só pode ser Henry.
Ele sai para o pórtico sem pensar duas vezes e, no instante em que a porta se fecha atrás dele, a música é abafada e o silêncio cai, e sobram apenas ele, Henry e o jardim. Ele está com a visão turva e afunilada de uma pessoa bêbada quando fixa os olhos em um objetivo. Ele o segue escada abaixo até o gramado coberto de neve.
Henry está em silêncio, as mãos nos bolsos, contemplando o céu, e ele até pareceria sóbrio se não estivesse cambaleando de leve para a esquerda. Maldita dignidade britânica, mesmo diante do champanhe. Alex quer enfiar a cara do caçula real em um arbusto.
Alex tropeça num banco, e o barulho chama a atenção de Henry.
Quando ele se vira, o luar cai sobre ele, e seu rosto parece suavizado pelas sombras, convidativo de uma maneira que Alex não consegue entender direito.
— Está fazendo o que aqui fora? - Alex pergunta, levantando e indo até o lado dele embaixo da árvore.
Henry estreita os olhos. De perto, seus olhos ficam um pouco vesgos, focados em um ponto entre ele e o nariz de Alex. Nem tanta dignidade assim.
— Procurando Órion — Henry diz.
Alex solta um riso bufado, erguendo os olhos para o céu. Nada além de nuvens de inverno.
-Você deve estar muito entediado com os plebeus para sair aqui e ficar olhando as nuvens.
— Não estou entediado — Henry murmura. — O que você está fazendo aqui fora? O menino de ouro dos Estados Unidos não tem multidões para seduzir?
— Falou a porra do Príncipe Encantado - Alex responde, sorrindo.
Henry volta o rosto para as nuvens, a expressão nada principesca.
— Longe disso.
Seus dedos encostam no dorso da mão de Alex ao lado do corpo deles, um pequeno raio de calor na noite fria. Alex observa o rosto dele de perfil, piscando para a bebedeira passar, seguindo a linha suave de seu nariz e a curva leve no centro de seu lábio inferior, tudo tocado pelo luar. Está congelando e Alex está usando apenas um paletó, mas seu peito está aquecido por dentro pela bebida e por algo inebriante em que seu cérebro tropeça, sem conseguir nomear. O jardim está silencioso exceto pelo sangue correndo em seus ouvidos.
- Mas você não respondeu a minha pergunta —Alex comenta.
Henry suspira, passando a mão na cara.
—Você não deixa nada passar, não é? — Ele inclina a cabeça para trás, batendo-a de leve contra o tronco da árvore. — Às vezes fica um pouco... demais.
Alex continua olhando para ele. Normalmente, há algo na boca de Henry que revela certa simpatia, mas, às vezes, como agora, ele fica com o canto da boca contraído, a guarda firmemente levantada.
Alex se vira e, em um movimento involuntário, se recosta na árvore também. Ele encosta no ombro de Henry e vê o canto da boca dele se contrair, algo se inove levemente no rosto do príncipe. Essas coisas — grandes eventos, deixar os outros se alimentarem da energia dele —quase nunca são demais para Alex. Ele não sabe ao certo como Henry se sente, mas parte de seu cérebro, que provavelmente está encharcada de tequila, pensa que talvez ajude se Henry ficasse apenas com o que consegue dar conta, e Alex pudesse tomar conta do resto. Talvez ele possa absorver parte do que é “demais" através do ponto onde seus ombros estão encostados.
Um músculo no maxilar de Henry se mexe, e algo suave, quase um sorriso, contrai seus lábios.
—Você se perguntou — ele diz devagar — como seria viver como uma pessoa anônima?
Alex franze a testa.
— Como assim?
— Só, sabe — Henry diz. — Se sua mãe não fosse presidenta e você fosse só um cara normal levando uma vida normal, como seriam as coisas? 0 que você estaria fazendo?
— Ah - Alex diz, refletindo. Ele estende um braço à frente do corpo, faz um gesto de desprezo com o punho. — Bom, é óbvio que eu seria um modelo. Já estive na capa da Teen Vogue duas vezes. Essa genética transcende qualquer circunstância. — Henry revira os olhos de novo. — E você?
Henry abana a Cabeça com melancolia.
— Eu seria escritor.
Alex da uma risadinha. Ele pensa que sabia disso sobre Henry, de alguma forma, mas ainda e um tanto surpreendente.
—Você não pode fazer isso?
— Não é exatamente uma ocupação interessante para um homem na linhagem do trono, escrever versos sobre os tormentos da juventude — Henry diz com secura. — Além disso, a carreira tradicional da família é a militar, então é o que me resta, não?
Henry morde o lábio, espera um segundo e abre a boca de novo.
— Eu namoraria mais também, acho.
Alex não consegue conter o riso de novo.
— Claro, porque é tão difícil pegar alguém sendo príncipe.
Henry volta os olhos para Alex.
—Você ficaria surpreso.
— Como? Não te faltam opções.
Henry continua olhando para ele, mantendo o olhar fixo por alguns segundos a mais.
— As opções que eu gostaria. — ele diz, arrastando as palavras.
— Não são exatamente opções.
Alex pisca.
— Quê?
— Estou dizendo que tem. .. pessoas... que me interessam — Henry diz, voltando o corpo na direção de Alex, falando com uma incisividade atrapalhada, como se quisesse dizer alguma coisa com isso.
- Mas não devo correr atrás delas. Pelo menos não na minha posição.
Será que eles estão bêbados demais para se comunicar em inglês?
Ele se pergunta vagamente se Henry sabe falar espanhol.
— Não faço a mínima ideia do que você está falando—Alex diz.
— Não?
— Não.
— Não mesmo?
— Não, não mesmo.
O rosto todo de Henry se franze em frustração, os olhos se voltando para o céu como se estivessem buscando a ajuda de um universo implacável.
— Meu Deus, como você é burro — ele diz, e pega o rosto de Alex com as duas mãos e o beija.
Alex fica paralisado, sentindo a pressão dos lábios de Henry e as mangas de seda de seu casaco encostadas em seu queixo. O mundo se transforma em estática, e seu cérebro está se esforçando para acompanhar, solucionando a equação de rixas adolescentes, bolos de casamento e mensagens às duas da madrugada mas sem entender a variável que o trouxe até aqui, exceto que. .. bom, por incrível que pareça, ele não se importa. Tipo, nem um pouco.
Em pânico, ele tenta montar uma lista de cabeça, mas para em: Um, os lábios de Henry são macios, e entra em curto—circuito.
Ele tenta se entregar ao beijo e ê recompensado pela boca de Henry se movendo e se abrindo junto à dele, a língua de Henry tocando a sua, o que é: uau. Não é nada parecido com o beijo de Nora mais cedo — nada parecido com nenhum beijo que ele deu na vida. É uma sensação tão firme e gigantesca como a terra sob seus pés, envolvendo todas as partes do seu corpo, prestes a tirar o ar de seus pulmões.
Uma das mãos de Henry se enfia em seu cabelo e agarra as raízes na sua nuca, ele ouve um som escapar dos seus lábios rompendo o silêncio esbaforido, e. ..
De repente, Henry o solta com tanta força que ele cambaleia para trás, Henry murmura um palavrão e um pedido de desculpas, os olhos arregalados, e dá meia—volta, esmagando a neve a passos rápidos. Antes que Alex consiga dizer ou fazer qualquer coisa, o príncipe já está longe.
—Ah —Alex diz por fim, baixinho, levando uma mão aos lábios.
— Caralho.