Marcio Mafra
30/12/2021 às 18:49
Brasília - DF
Na maior parte do tempo, desde que os ancestrais dos modernos humanos se distinguiram dos grandes macacos, há cerca de 7 milhões de anos, todos os humanos da Terra se alimentavam exclusivamente da caça de animais selvagens e da coleta de plantas, como os pés―pretos ainda faziam no século XIX. Foi somente nos últimos 11.000 anos que alguns povos passaram a se dedicar ao que chamamos de produção de alimentos: isto é, a domesticação de animais selvagens e o cultivo de plantas, comendo carne de gado e o que colhiam. Hoje em dia, a maioria das pessoas na Terra consome alimentos que elas próprias produziram ou que outros produziram para elas. Pelos atuais padrões de mudança, na próxima década os poucos bandos de caçadores-coletores remanescentes vão abandonar essa prática, se desintegrar ou morrer, pondo fim a milhões de anos desse modo de vida.
Povos diferentes iniciaram a produção de alimentos em diferentes períodos da pré-história. Alguns, como os aborígines australianos, nunca chegaram a esse estágio. Entre aqueles que adquiriram o hábito, alguns (por exemplo, os antigos chineses) desenvolveram essa prática por conta própria, enquanto outros (inclusive os antigos egípcios) aprenderam com seus vizinhos. Mas, como veremos, a produção de comida era um pré-requisito indireto para o desenvolvimento de armas, germes e aço. Por isso, as variações em matéria de clima e geografia ou o momento em que os povos de diferentes continentes se tornaram agricultores ou criadores de animais, explicam em grande parte seus destinos contrastantes. Antes de dedicarmos os próximos seis capítulos a entender como surgiram as diferenças geográficas na produção de alimentos, este capítulo vai mostrar as principais conexões através das quais a produção de alimentos gerou as vantagens que permitiram a Pizarro capturar Ataualpa e ao povo de Fred Hirschy tirar a terra do povo de Levi.
A primeira conexão é a mais direta: a disponibilidade de mais calorias para consumo significa mais gente. Entre as plantas silvestres e as espécies animais selvagens, somente uma pequena parte é comestível ou vale a pena ser caçada ou colhida. A maioria é inútil como alimento para nós por uma ou mais das seguintes razões: é de difícil digestão (como a casca de árvore), venenosa (algumas borboletas e cogumelos), de pouco valor nutritivo (água-viva), difícil de preparar (nozes muito pequenas), difícil de coletar (larvas da maioria dos insetos) ou perigosa para caçar (rinocerontes). A maior parte da biomassa (matéria viva orgânica) existente encontra-se na forma de madeira e folhas, sendo que poucas são digeríveis pelos seres humanos.