Marcio Mafra
17/01/2022 às 19:15
Brasília - DF
A classe média e a esfera pública colonizada pelo dinheiro.
O que tem de ser explicado aqui é como a elite do dinheiro, que detém o capital econômico e, por conta disso, manda na economia, passa a mandar de modo indireto também no mundo social e político pela construção, colonizada pelo dinheiro, da opinião pública. Essa elite precisa travestir seus interesses de proprietário em suposto interesse geral para garantir o controle da reprodução social mantendo seus privilégios. Apesar de controlar os meios de produção material e também os meios de produção simbólicos, como jornais e editoras, a tarefa, ainda assim, não é fácil. O dinheiro quer se reproduzir sempre aumentando sua quantidade, o que significa, quase sempre, que outros estão perdendo nessa conta. O dinheiro, na forma da acumulação de capital, precisa ser legitimado politicamente e moralmente para conseguir sua reprodução ampliada ad infinitum.
Como isso se da em uma sociedade, como a democrática moderna, que diz de si mesma que representa o interesse geral?
Esse tema é central para que compreendamos a perpetuação de relações de dominação social e econômica no tempo. Isso Significa, também, que, além de mercado e Estado, temos que considerar e compreender a ação de uma outra instituição fundamental que nasce - do mesmo modo que o mercado competitivo e o Estado centralizado - apenas com o mundo moderno: a esfera pública. Sem compreendermos como essa esfera social funciona, não compreenderemos como a elite do dinheiro se apropria simbolicamente, já como efeito de ideias que se tornam depois naturais como andar e respirar, das classes médias em formação no nosso país.
No Brasil, a classe média sempre foi, desde meados do século passado, a tropa de choque dos ricos e endinheirados. É preciso compreender, no entanto, como isso se tornou possível, Como é possível se apropriar dos desejos, ambiguidades e insegurança da classe média para mantê-la servil, mesmo contra seus melhores interesses, e deixar as classes populares para a polícia truculenta? O uso sistemático da inteligência nacional e da imprensa que a veicula em proveito dos interesses da pequena elite endinheirada é a resposta.
Para entendermos como isso se deu, teremos, no entanto, que compreender a singularidade da esfera pública em relação ao Estado e ao mercado. Afinal, é na esfera pública que a classe média é colonizada pelos interesses do dinheiro. O domínio da elite sobre ela é simbólico e pressupõe convencimento. O domínio sobre as classes populares baseia-se, ao contrario, mais na repressão e na violência material. Como se dá essa dominação pelo convencimento? Quem melhor esclareceu essa questão e percebeu sua importância para as formas modernas de aprendizado coletivo foi o filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas. Note o leitor que, em vez de recorrer a estoques culturais ou supostas heranças culturais malditas, como faz o culturalismo racista entre nós, temos que analisar, mais uma vez, a presença ou ausência de aprendizados coletivos para compreender nossa singularidade como sociedade.